A invalidade da limitação à compensação tributária

09 January 2024

Por Carolina Massad

No último dia útil do ano de 2023 os contribuintes foram surpreendidos pela publicação da Medida Provisória (“MP”) nº 1.202/2023, por meio da qual, entre outras disposições que objetivam o aumento da arrecadação federal, limitou-se o direito à compensação de créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado.

A medida pretende minimizar a redução na arrecadação decorrente do julgamento da “tese do século”, em que o Supremo Tribunal Federal reconheceu o direito à exclusão do valor do ICMS das bases de cálculo das contribuições PIS e COFINS, bem como o direito à restituição ou compensação dos valores indevidamente pagos pelos contribuintes em decorrência do cômputo do imposto estadual.

Diante das decisões judiciais transitadas em julgado, os contribuintes tinham direito, de acordo com a legislação e a Jurisprudência então vigentes, à restituição judicial do indébito, pela via dos precatórios, ou à compensação administrativa[1] com débitos vincendos próprios, administrados pela Receita Federal, sem qualquer tipo de limite de valor para utilização como encontro de contas.

Contudo, para os créditos reconhecidos judicialmente que excederem R$ 10 milhões, referida MP estabelece que deverá ser observado limite mensal estabelecido em ato do Ministro da Fazenda. De acordo com a Portaria Normativa MF nº 14, publicada em 05/01/2024, as compensações deverão ser realizadas em prazos mínimos que variam de doze a sessenta meses, dependendo do valor do crédito.

Significa dizer que os contribuintes, embora tenham créditos decorrentes de pagamentos indevidos em montante suficiente para compensar todos os tributos federais de cada mês, só poderão utilizar um percentual do crédito a que fazem jus e, consequentemente, serão obrigados a desembolsar dinheiro do caixa para fazerem novos pagamentos.

Na prática, como mau perdedor, o Governo Federal buscou um meio forçado de postergar o pagamento de sua dívida, ou, ainda, de compelir os contribuintes ao financiamento das contas públicas, ao impor uma limitação que representa verdadeiro empréstimo compulsório.

Trata-se, contudo, de medida ilegal e inconstitucional, passível de ser contestada no Judiciário.

De fato, para além de outras ilegalidades e inconstitucionalidades, bem como da impossibilidade de aplicação da limitação aos créditos reconhecidos em ações ajuizadas antes da publicação da MP, o limite mensal é especialmente inaceitável quanto aos direitos creditórios já devidamente habilitados perante a Receita Federal do Brasil.

Isto porque, a Instrução Normativa RFB nº 2.055/2021 exige que o contribuinte renuncie expressamente ao direito à execução judicial do crédito, como condição da habilitação dos créditos decorrentes de decisões judiciais transitadas em julgado, para fins de compensação.

Ou seja, o contribuinte foi obrigado a escolher entre a execução judicial do crédito ou a compensação administrativa, quando o artigo 74 da Lei nº 9.430/96 não previa qualquer limitação mensal ao encontro de contas. Tendo optado pela compensação, as regras do jogo mudaram no meio da partida e não é mais possível voltar atrás para escolher a execução judicial.

O governo “passou a perna” no contribuinte de uma forma que, a nosso ver, não pode ser considerada legítima pelo Judiciário, tendo em vista a violação dos princípios da coisa julgada, segurança jurídica e proteção da confiança.

 


[1] O STF decidiu, em repercussão geral (RE 1.420.691), pela impossibilidade de restituição administrativa do indébito reconhecido na via judicial.

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